CONTRA OS ABUSOS DO PODER VENHAM DONDE VIEREM
Terça-feira, 25 de Abril de 2006
Esmaguemos a Infâmia

Voltaire (1694-1778)

          Durante a minha mocidade, o autor que me mais me marcou foi, sem qualquer dúvida, o filósofo francês François-Marie Aronet, mais conhecido por Voltaire. Nesse tempo, teria eu uns catorze ou quinze anos, tive a sorte de ler dois dos seus livros mais conhecidos: “O Ingénuo”, que conta as desventuras de um Índio americano que veio para a Europa para ser cristianizado, e o “Cândido”, que narra as intermináveis desgraças de um jovem fidalgo que procurou viver rigorosamente dentro dos preceitos da Igreja Católica. Jovem esse que, no fim da história, acabou por concluir que o melhor seria trabalhar para garantir o seu sustento…
          Defensor inabalável dos perseguidos pelas suas ideias, Voltaire serviu-se com rara mestria do seu humor mordaz e acutilante para criticar os costumes dos poderosos da sua época, que primavam pelo despotismo e pelo desprezo pelos mais elementares direitos do povo.
         Para além do que escreveu, ficou também célebre pelo slogan “Écrasons l’infâme”, que usava na sua correspondência, numa alusão ao poder da Igreja católica que dominava a política europeia de então.
          Comemora-se hoje o “Vinte e Cinco de Abril”, o dia em que uma ditadura podre, de quase cinquenta anos, caiu perante um golpe militar. Dia em que milhões de portugueses começaram a sonhar com a liberdade e uma vida melhor.
          A "Revolução dos cravos", assim se chamou a esse movimento militar, foi há trinta e dois anos, mas as esperanças começam a desvanecer-se, se é que ainda subsistem algumas. Enquanto as grandes empresas arrecadam lucros escandalosos, enquanto os barões do sistema auferem ordenados e rendimentos de nababo, o povo, cada vez mais desprotegido pelo Estado, continua espartilhado com aumentos de custos e impostos. E a classe política, indiferente ao que se passa, não dá mostras de encarar as dificuldades. Continua a beneficiar de mordomias, de imunidades, apesar de fazer tristes figuras. Basta lembrar as faltas de presença na Assembleia, justificadas  com as mentiras do costume e o lamentável episódio das viagens de lazer com dinheiros do Estado. Não esquecendo a ineficácia da máquina governativa.
          É pena que Voltaire não possa comentar este “estado a que se chegou”, como diria Salgueiro Maia. Será que o filósofo francês se limitaria a dizer “esmaguemos a infâmia”?
  
Costa Monteiro


publicado por Fernando Vouga às 11:23
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10 comentários:
De Luís Alves de Fraga a 1 de Maio de 2006 às 00:00
Meu caro Amigo, é, realmente, muito triste o estado a que chegámos. Afinal, depois de dobrados os 60 anos, quando há trinta e dois atrás sonhávamos com um Portugal melhor, deparamo-nos com uma realidade que nem nas palavras dos "mais velhos do Restelo" era imaginável. É estranho como tendo avançado no tempo conseguimos recuar nas vantagens ambicionadas para os mais desprotegidos. Há 40 anos, os homens que serviam o Estado Novo na política não faziam desta uma "carreira"; eram raros os próceres que viviam exclusivamente da res publica. Muitos cidadãos serviam o Estado em funções administrativas, de defesa e segurança, mas poucos eram os que mantinham por longos anos a sua ligação ao aparelho estadual em funções governativas. Agora, o enxame engordou; tem aí um bom exemplo na pessoa do "Sr. Governador" mais conhecido por Presidente do Governo Regional. Por cá, não nos faltam outras sanguessugas que, de útil, prático, e proveitoso nada mais fizeram do que roçar os fundilhos das calças pelas carteiras do Parlamento ou cadeiras de Secretarias de Estado e Ministérios. Lembram aqueles sacerdotes católicos que não sabendo o que é a paternidade, o casamento e a vida conjugal dão "palpites" sobre a temática como se fossem grandes conhecedores da matéria! Imaginasse eu as voltas que a Vida ia dar neste país, garanto-lhe, há 30 anos tinha abanado pelos colarinhos muitos dos nossos camaradas que, ingenuamente, entregaram o Poder aos políticos oportunistas da altura, acabando com o Conselho da Revolução e a tutela militar de uma democracia que precisava de ser vigiada. Não sou bruxo! Não fomos bruxos!


De Fernando Vouga a 1 de Maio de 2006 às 15:42
Meu caro Fraga. Concordo inteiramente consigo. Mas não pude deixar de achar imensa piada à sua comparação com a "sabedoria" dos padres católicos. Humor fino e oportuno...


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